Algumas das maiores polêmicas aqui na Alemanha giram em torno da educação escolar. Tema justíssimo para ser bastante debatido, já que é a educação que molda as pessoas que vivem em sociedade e que influencia desde os níveis de violência até os índices econômicos.
Mas antes de qualquer coisa, é importante falar que o sistema de ensino alemão tem muitas peculiaridades, muitas diferenças com relação ao brasileiro. Além disso, já que aqui o sistema escolar é regido por cada estado, o seu formato e suas leis variam, inclusive, dentro da Alemanha.
Como funciona o sistema escolar na Alemanha?
Kita e Kindergarten
A partir de 1 ano toda criança que mora na Alemanha tem direito a uma creche, em alemão Kinderkrippe ou Kita. E dos 3 aos 5 anos a criança pode frequentar o Kindergarten, jardim de infância.
A garantia do Estado é que haja uma vaga para cada criança, mas não há obrigatoriedade, por isso as creches não são gratuitas. As Kitas podem ser municipais ou particulares. No primeiro caso, elas são bem mais em conta e o valor varia pelo município e pela renda familiar. O problema é que conseguir uma vaga em uma Kita do governo exige bastante esforço, principalmente nas cidades maiores. Normalmente é exigido que você more nos arredores da escolinha e já li que algumas pessoas, para garantir vaga, entram na fila ainda durante a gravidez.
Caso não se consiga uma vaga nas Kitas municipais, a busca continua nas Kitas privadas, essas bem mais caras.
Alerta polêmica!
O governo garante a vaga para todas as crianças por lei desde 2013, mas se fala muito sobre a dificuldade que é de conseguir uma vaga e sobre muitas vezes ter que pagar uma creche mais cara, já que os pais precisam trabalhar e não conseguiram a matrícula em Kitas do governo. Quando se consegue uma vaga meio-período, ainda é necessário pagar uma outra creche para que a vida profissional dê continuidade. Em muitos casos, vale mais a pena um dos pais pararem de trabalhar do que pagar uma creche privada para o bebê (esse problema não é muito diferente da realidade do Brasil).
Escola – da Grundschule ao Abitur
A partir dos 6 anos, a criança tem o direito e, atenção aqui: o DEVER de frequentar a escola. A idade exata vai variar um pouco dependendo do estado, fiz a tabelinha abaixo com as datas em cada um deles.

Nessa fase a escola é gratuita e pouquíssimas crianças, aproximadamente 10%, frequentam uma escola particular.
Os primeiros 4-5 anos na escola (a duração de cada etapa também depende do estado), são chamados de Grundschule, e são equivalentes aos primeiros 5 anos do nosso Ensino Fundamental no Brasil.
É a partir da conclusão do Grundschule que a continuidade escolar fica mais diferente do sistema brasileiro, por isso um pouco mais difícil de entender (e polêmica).
Após o Grundschule, a criança, com 10 anos, é encaminhada pelos pais e professores para uma Hauptschule, Realschule ou Gymnasium. Cada uma delas é focada no que o estudante vai fazer após a escola: cursos técnicos, profissionalizantes ou universidade.
Se a criança vai à Hauptschule ela pode fazer cursos técnicos, chamados aqui de Ausbildung. Frequentando a Realschule pode fazer Ausbildung ou Hochschule e se a criança é direcionada ao Gymnasium, ela pode fazer todas as opções anteriores ou ir à Universidade.

Alerta polêmica!
Essa questão de decidir como o jovem vai prosseguir os estudos quando a criança ainda tem 9-10 anos dá muito o que falar. Os professores e os pais analisam as notas, desempenho e gostos pessoais do aluno e escolhem a melhor opção. Caso seja decidido que a criança vai para uma Hauptschule ou Realschule, ela não poderá ingressar numa Universidade quando concluir a escola. E caso a família queira garantir que o filho tenha todas as opções no futuro e frequente um Gymnasium, a criança deve ter um bom desempenho nas aulas, ou será recomendado firmemente que ela prossiga os estudos numa Hauptschule.
Caso a criança consiga acompanhar os outros alunos e tire notas boas, os pais podem solicitar uma mudança com a diretoria da escola: primeiramente da Hauptschule para a Realschule, e dali a mais alguns anos para o Gymnasium, para que a transição não seja tão brusca. Apesar da possibilidade, a autorização é dada em casos raros, quando o desempenho do aluno é claramente melhor do que o dos colegas.
Muitos alemães criticam esse sistema, pois acham que decidir pelas notas da criança com 9 anos se ela teria capacidade de entrar e frequentar uma universidade é um julgamento precoce e muito duro.
Como são as regras para refugiados, imigrantes e filhos de imigrantes?
Sendo que 40% das crianças com até 5 anos que moram no país são filhos de imigrantes, o que é diferente para eles?
Morando na Alemanha, as crianças que são refugiadas, imigrantes ou filhos de imigrantes têm os mesmos direitos e deveres com relação à educação do que as alemãs.
Aqui na Baviera, ainda são oferecidas e recomendadas aulas de transição, como as Übergangsklassen, e aulas de reforço, como as Deutschförderklassen, para quem fala pouco ou nenhum alemão ou, simplesmente, para crianças que vêm de outros estados da Alemanha e não estão habituadas ao sistema de ensino bávaro.
Essas aulas têm o objetivo de integração na escola e na sociedade, garantia da qualidade da educação e melhor preparo para receber uma vaga no mercado de trabalho após a conclusão dos estudos. Depois de dois anos nesses programas, a criança deve ser capaz de integrar-se socialmente e intelectualmente com as turmas regulares.
Como é a inclusão de crianças com necessidades especiais?
Infelizmente, assim como no Brasil, há falta de profissionais capacitados para atender apropriadamente essas crianças. Os alunos que necessitam de atenção especial têm o direito de contar com um assistente especializado nas suas limitações ou diferenças durante o seu período na escola.
Como nem todas as escolas conseguem encontrar um profissional capacitado, a criança acaba encontrando dificuldades na adaptação da rotina escolar.
Muitos pais se veem sem saída e optam por uma escola para crianças especiais, chamadas de Förderschule, que podem ser especializadas em diferentes situações, mas que nem sempre são a melhor opção para as limitações da criança. Outros se veem obrigados a educar os filhos em casa (nesse caso, o Homeschooling parece ser aceito, já que é conveniente para o governo).
Encontrei alguns materiais que podem ajudar quem está vindo para cá com crianças que necessitam de cuidados especiais e vou deixar aqui para que auxilie nessa adaptação: uma série de artigos do jornal Süddeutsche que fala sobre educação de crianças com autismo; um documentário sobre inclusão nas escolas, chamado Ich. Du. Inklusion (você pode comprar para assistir aqui) e o site da Associação de apoio a pessoas autistas, com o link para você achar as associações na sua cidade.
Ensino Superior – Ausbildung, Fachhochschule e Uni
No penúltimo ou último ano do Gymnasium, o aluno pode fazer uma prova chamada Abitur, como o nosso Enem brasileiro. Com o resultado deste teste serão feitas as tentativas de ingresso nas Universidades.
É muito comum o aluno morar um ano em outro país antes de entrar na Universidade ou fazer um intercâmbio com a Uni, chamado de Erasmus (também conhecido por esse nome em outros países da Europa).
Para aqueles que não frequentaram o Gymnasium, mas a Hauptschule ou Realschule, as opções são as Hochschule, cursos superiores mais focados em áreas específicas e com um teor bem menos acadêmico do que um curso de Universidade, ou os Ausbildung, os cursos técnicos, nos quais o aluno é vinculado com uma empresa e alguns dias da semana tem aulas e nos outros é estagiário na empresa, já recebendo uma remuneração simbólica. Um Azubi, como é chamado o aluno do Ausbildung, aprende uma profissão específica, escolhida entre mais de 300 opções, como enfermeiro ou assistente administrativo.
Um curso universitário dura em média cinco anos e um Ausbildung de dois a três anos e meio.
O que é o Schulpflicht?
Lembra que eu falei que toda criança que vive na Alemanha têm o direito e dever de ir à escola? É isso mesmo, também é dever, ou seja, é obrigatório que as crianças a partir dos 6 anos frequentem a escola. Essa lei é chamada Schulpflicht, literalmente “obrigatoriedade escolar” no português, e existe desde 1919.
Dos 6 aos 15 anos é chamada de Vollzeitschulpflicht, já que a criança deve estudar integralmente, não sendo permitido trabalhar. Quando essa fase termina, começa o Teilzeitschulpflicht, que significa que o jovem não precisa mais frequentar a escola em tempo integral e pode iniciar seus estudos profissionais.
Em muitos estados, está incluído na lei de obrigatoriedade escolar a Berufsschulpflicht, a obrigatoriedade em fazer um curso profissional. A duração varia de estado para estado, a maior exigência é de 3 anos.
A obrigatoriedade não é só válida para as aulas, como também para outros eventos, excursões e projetos na escola.
Por que existe o Schulpflicht?
O Estado toma para si a responsabilidade de as crianças irem à escola, com o objetivo de evitar a evasão escolar. Por isso, caso o aluno atrase ou não vá para a aula, a escola liga para os pais para saber o que aconteceu.
Caso o aluno precise ser dispensado, é necessário pedir autorização na escola, mas ela só é dada em casos de consulta ou atestado médico ou falecimento de algum parente próximo. Esse documento emitido pela escola e dificílimo de conseguir chama-se Schulbefreiung.
O que acontece com quem não cumprir o Schulpflicht?
Apesar da lei, estima-se que cerca de 1.000 crianças em idade de obrigatoriedade escolar não vão para a escola. A multa caso os pais ou responsáveis legais dessas crianças forem descobertos pode chegar a 2.500 euros.
Como acontece a fiscalização?
É comum ouvir falar de situações em que os pais não avisaram a escola, o filho faltou na aula e a polícia bateu na porta de casa para perguntar o que aconteceu e levar a criança ao colégio.
Também acontecem fiscalizações em aeroportos uns dias antes de férias escolares. A polícia quer garantir que nenhuma criança foi tirada da sala de aula um ou dois dias antes das férias para viajar. Caso as famílias sejam pegas, a polícia pode dar uma advertência, pode levar a criança para a escola ou aplicar a multa.
Alerta polêmica!
Ao mesmo tempo que a educação no país é excelente e o índice de crianças fora da escola é extremamente baixo devido à lei, existem muitas pessoas que são contra a Schulpflicht. Muitos pais gostariam de educar seus filhos de outras maneiras, como oferecendo aulas em casa (Homeschooling), mas com a obrigatoriedade escolar isso não é permitido.
No ano passado uma família de Hessen entrou com um processo para que fosse permitido educar seus quatro filhos em casa. A sentença saiu em janeiro desse ano: negado, as crianças são obrigadas a ir à escola. (Para ler mais cliqueaqui)
Além disso, muitos estados alemães ainda oferecem aulas de religião, por exemplo, inclusas na grade curricular e, portanto, obrigatórias, mesmo para praticantes de outra ou nenhuma religião. Na maioria dos estados é possível fazer uma solicitação por escrito para a descontinuação nessas aulas a partir dos 14 anos. Na Baviera e em Saarland a partir dos 18 anos (!). Antes disso, é necessário requerer a liberação com a escola e aguardar a autorização da diretoria.
A situação toda é bem polêmica, já que a Alemanha é conhecida pelas suas política liberal, mas aí você se depara com essa lei, que acaba tirando o direito de escolha dos pais.
É fácil pensar em soluções alternativas para esses pontos de debate, mas elas esbarrariam, pelo menos, em questões de fiscalização e financeiras. É inegável que do jeito que acontece hoje, o país tem conseguido manter seus níveis de educação sempre elevados, além de ter uma das melhores economias da União Europeia. Nada nunca é 100% bom, nem 100% ruim e é por isso que a Schulpflicht dá o que falar. E você, o que pensa disso tudo?
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